Ascensão e Queda da Telenovela
por
João Ventura
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Nota prévia: O presente trabalho foi preparado no âmbito da disciplina Television: Sociology and Technology do mestrado em Política y Mass-Media leccionado na Universidad Camilo Torres, Florida, Confederación de Norte-América. A tradução para publicação na "Revista de Multimédia Ecran" foi feita pelo autor.
Segundo alguns autores, como Oliveira (1987), as origens da telenovela ("soap" na terminologia anglo-saxónica) devem procurar-se nos rádio-romances, muito populares na década de 50 (antes da expansão generalizada da televisão), geralmente patrocinados por marcas de detergentes. Os rádio-romances, por sua vez, seriam descendentes dos romances por fascículos (inícios do século XX). A este ponto de vista opõem-se fortemente Santos e Andrade (1989) que, baseando-se numa análise multidimensional da especificidade dos meios de informação utilizados, demonstram magistralmente que o sucesso da telenovela é uma função muito forte da identificação visual entre os diversos sectores socio-culturais do público tele-espectador e os personagens da novela.
A tendência para o alargamento do espaço ocupado pelas telenovelas tinha começado nos anos 70, e prolongou-se pela década de 80. As sondagens mostravam que o público gostava de saber todos os pormenores, mesmo os mais irrelevantes, da vida dos actores, confundindo-os muitas vezes com os personagens que interpretavam.
Pereira (1984) mostrou que 73,9 por cento das conversas em locais de trabalho e transportes públicos tinham como tema a novela em exibição diária. Favorecida ao mesmo tempo pelo poder político, por razões que Aguiar (1988) analisa exaustivamente, eram frequentes, no fim da década de 80, novelas que se prolongavam durante anos, com três horas de exibição diárias.
No ano 2002 surgiu o conceito de "telenovela total", desenvolvido por Ayrton (2001, 2002), um MacLuhanista dissidente. Este autor opõe-se às teses que consideram como factores determinantes na evolução do género a ascensão do Brasil ao grupo dos "5 maiores" e a passagem da população hispânica nos EUA para mais de 50 por cento, propondo antes uma teoria baseada em argumentos pós-jungianos.
O número de horas foi aumentando até que, em 2006, a BBC/Globo/CBS mostrava, simultaneamente em 4 canais diferentes, 24 horas por dia, a vida dos 4 personagens principais da novela. Os satélites retransmissores tinham circuitos de atraso que sincronizavam a transmissão com a hora local dos países para onde a novela era enviada. Desta forma, os espectadores podiam acompanhar, em tempo real, a vida do seu personagem favorito. Houve alguma oposição da Sociedade Contra a Invasão da Privacidade dos Cidadãos, mas a acção que moveu contra aquela multinacional foi rejeitada pelo Tribunal de Haia.
Materializou-se assim a coincidência entre espectáculo e vida real. "Life is show and show is life" era o motto do departamento de produção de "A vida de Antonio, Brigitte, Cristina e Dave", os ABCD, como eram familiarmente conhecidos por centenas de milhões de espectadores. Antonio (mexicano, hispano-índio, 32 anos) podia ser observado vinte e quatro horas por dia no Canal 17, os Canais 23 e 25 davam conta de todos os acontecimentos nas vidas de Brigitte (francesa, loira, 38 anos) e Cristina (brasileira, de ascendência japonesa, 29 anos) e o Canal 29 apresentava Dave (americano, negro, 35 anos). Algumas regiões tiveram necessidade de legislar contra a existência de televisores de pulso nos locais de trabalho.
O mercado televisivo era no entanto um mercado muito volátil. Cerca de dois anos após o início da "telenovela total", os índices de audiência começaram a dar sinais de enfraquecer. Os produtores eram naturalmente perfeitos conhecedores dos códigos do género, compilados anos antes por Baresi (2004). Assim, sabendo que o coeficiente de empatia público / personagens, verificadas certas condições, tende para um máximo quando estas são colocadas numa situação difícil, fizeram com que Brigitte sofresse um acidente doméstico de que resultaram algumas queimaduras de 3º grau, internamento numa clínica, cirurgia plástica e várias semanas de recuperação.
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