R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Como Era Gostosa, a Minha Alienígena!

organizado por Gerson Lodi-Ribeiro

uma crítica de Eduardo Torres

publicada em 17.08.2003

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9— Uma Certa Capitã Rodriguez, de Carla Cristina Pereira

Outro dos pontos altos da antologia, essa noveleta, escrita especialmente para a Gostosa! é a versão expandida e mais erotizada do conto Longa Viagem Para Casa, primeiro trabalho de FC de Carla, que venceu o Concurso Simetria, de Portugal, em 2000. A Capitã Olympia Rodriguez é uma astronauta que fica presa por dez anos numa nave semi-destruída em órbita de Plutão, após um acidente. Na Terra, pensou-se que não houve sobreviventes. Mas Olympia manteve-se viva, embora em condições precárias. Agora foi salva e é uma heroína. Só que nesse meio tempo o marido havia se casado com outra mulher. Nos vários meses da viagem de volta para a Terra, o fantasma em carne e osso de Olympia vai causar mudanças na vida tranqüila do agora bígamo Louis, da sua esposa — agora "a outra" — Camilla, e dos dois filhos do primeiro casamento. Carla faz um interessante contraponto narrativo entre a versão de Olympia e do casal na Terra, prendendo o leitor num texto fluente e estimulante, e construindo bem os personagens. Graças às comunicações interplanetárias e a programas sofisticados de realidade virtual, os protagonistas podem se entregar a tórridas cenas eróticas, descritas com riqueza anatômica de detalhes por Carla, mas sempre com bom gosto. Erótico na acepção da palavra. É de deixar o leitor grudado no livro, lambendo os lábios excitado e sentindo um arrepio de calor percorrendo certas partes do corpo. Carla intensifica o erotismo da antologia nessa noveleta, e deixa o leitor em boa expectativa sobre o resto do livro. E essa expectativa será preenchida, conforme veremos. Apenas um senão vindo de minha velha veia hard: Devido à importância e características muito especiais da missão da Capitã Rodriguez, acho improvável que o Comando da Força Espacial não mandasse uma missão de resgate imediatamente, mesmo com a certeza da ausência de sobreviventes. Mas se isso ocorresse, não teria degustado as suculentas descrições sexuais feitas pela Carla. Está perdoada.

IV— Sexo e Religião — Prazeres nos Recônditos da Fé

10— Segredos de Confissão, de Federico Schaffler

O mexicano Federico Schaffler é o único autor não lusófono do livro. Segredos de Confissão foi publicado em português originalmente no Megalon e o conto original em espanhol foi publicado em 2000 na antologia Cuento Fantástico Tamaulipeco. Trata-se de um conto de FC de boa cepa, absolutamente iconoclasta e deliciosamente blasfemo. Fala de uma época futura em que o chefe da Igreja Católica é a Papisa Madonna II e onde foi abolido o voto de castidade dos padres, que agora podem ter relações com parceiros de qualquer sexo, embora os sacerdotes mais tradicionais prefiram fazer sexo virtual, através de sofisticados sistemas de RV que contactam os parceiros, mesmo separados por grandes distâncias e sem conhecerem seus rostos e identidades verdadeiros. Federico descreve as situações eróticas com arte (embora, após a Capitã Rodriguez, tudo nos pareça algo esmaecido), mas tempera o texto com ótimas tiradas irônicas e bem humoradas e no final nos brinda com uma surpresa divertida e até chocante para os católicos mais tradicionais.

11— Boas-Vindas, de Maria de Menezes

Essa autora portuguesa escreveu esse conto especialmente para a antologia, e estava de fato inspirada. Outro dos melhores do livro, onde apreciamos uma combinação muito bem feita de ficção científica, religião, erotismo e fino humor. 'Boas-Vindas' conta a história de um líder religioso ultra-conservador, que sai de seu planeta ascético e assexuado para levar uma jovem reverenda para ser missionária em um mundo laico tido como pecaminoso pelos rígidos conceitos da ordem. Maria usa com habilidade a descrição das sofisticadas tecnologias do planeta visitado e de como contribuíram para as descobertas da jovem e ingênua reverenda, enquanto ela começa a conhecer a cultura, digamos, menos repressiva sexualmente, das novas terras. E tudo de modo gostosamente divertido para a missionária — e para o leitor.

V— Parceiros Sobrenaturais

12— O Ano da Lua, de Simone Saueressig

Da leveza bem humorada, passamos a um clima mais pesado. O Ano da Lua é outro conto bem cuidado na forma, que exige uma leitura mais atenta e cuidadosa. Simone joga habilmente com as palavras (numa quase poesia concreta em alguns trechos), diálogos e cortes de cena, de modo a nos deixar um pouco tontos, inebriados, desorientados. Como ela queria. E como é necessário para apreciarmos a história. O conto fala de parceiros sobrenaturais lupinos, de amor, de morte e de gosto de sangue. E funciona ao nos envolver nesse mundo. Acho, porém, que o texto acabou ficando um pouco entrecortado demais no processo e perdeu algo da fluência e clareza em alguns pontos. Não chegou a prejudicar a essência, mas senti um certo truncamento aqui e ali. Esse conto foi publicado originalmente no Megalon.

13— Pequenos Prazeres Inconfessáveis, de Luís Filipe Silva

Confesso que tive uma relação estranha com esse conto. Gostei de algumas partes e não gostei de outras. Não fluiu bem pra mim, com oscilações internas de atração. Ressenti-me de uma sensação de truncamento, como no Ano da Lua, mas de modo mais intenso, talvez devido à dosagem e estilo adotados pelo autor para os cortes de cena. O conto fala de seres diferentes das pessoas normais, com poderes sobrenaturais e desejos inconfessáveis. O leitor se envolve na história, mas, pelo menos no meu caso, se afasta freqüentemente do clima. A trama perde algo da clareza e fluência, no objetivo aparente — e válido — do autor de nos desorientar e estranhar. Mas o resultado não foi o esperado. Achei o final também mal resolvido. Pode ser que outros leitores tenham outra leitura, pois o autor é um prestigiado e talentoso escritor português, mas devo dizer que foi o conto que menos me agradou na antologia. Foi publicado originalmente em O Futuro à Janela.

14— Gepetto, de Márcia Kuptas

Ótimo conto, dos que nos pegam pela mão e nos conduzem habilmente a um mundo onde a realidade e a irrealidade se confundem. É a história de um consertador de bonecas, capaz de fazer bonecas tão perfeitas como as mulheres que lhes serviram de modelo. Talvez perfeitas demais. De novo temos descrições desinibidas das atividades eróticas, como parece ser mais do estilo das autoras que dos autores, em geral mais tímidos nessa antologia. Gepetto foi publicado originalmente em 1987, na coletânea Casos de Sedução.

15— Uma Tela em Branco, de Georgiana Calimeris

Georgiana, em seu conto de estréia no gênero fantástico, nos mostra um mundo futuro onde as inteligências artificiais interagem eroticamente com as pessoas. O conto é fluente, mas não explica bem como de fato funcionam as IAs nessa interação. Fica uma certa sensação de inverossimilhança aí. Temos mais uma vez boas e vivas descrições eróticas, como parece ser a tradição feminina no livro. Um conto interessante e que mostra o bom potencial da autora, mas que dá a sensação de que poderia render mais, se melhor trabalhado, tanto em termos de trama como de estilo. Um registro importante: Georgiana é uma bonita brasiliense que fez questão de comparecer ao lançamento da Gostosa! no Rio.

16— Quatro Milhões de Lolitas, de João Barreiros

Nosso querido "Tio" Barreiros nos brinda com um ótimo conto, que também arrolo entre os melhores da antologia. Quatro Milhões de Lolitas fala de um estranho mundo onde o protagonista parece ser o único homem, que vive numa pensão dirigida por uma matrona feiosa que o aprecia com olhar cobiçoso, cuja filha é uma ninfeta insinuante chamada Lolita, tal como no romance de Nabokov. Nosso herói é um professor, mas todas as suas alunas são também Lolitas, iguais à filha da dona da pensão. E a cidade é enorme, formada por ruas e casas iguais e sem ninguém nas ruas. E todas as Lolitas querem seduzi-lo e fazer sexo com ele. Sonho ou pesadelo? Como explicar toda essa aparente loucura de modo verossímil e consistente até para o mais rigoroso hard-leitor? Só lendo até o fim pra saber como a imaginação de Barreiros resolveu o mistério que ele mesmo criou. E mistério é de fato a palavra adequada. O conto ganha um ritmo de policial do meio para o final, com o estilo habilidoso e inspirado do autor. Só as descrições eróticas é que, mantendo as tradições masculinas da antologia, são algo pudicas. Quatro Milhões de Lolitas foi publicado originalmente numa coletânea do autor.

VII— Parceiros Alienígenas

17— A Melhor Diversão da Cidade, de Gerson Lodi-Ribeiro

Esse é um dos melhores contos do livro, e um dos dois únicos que faz jus ao título de Como Era Gostosa A Minha Alienígena (já que nos outros três contos da seção, os parceiros alienígenas são masculinos). Gerson nos conta a história de um oficial de um navio cargueiro fluvial num planeta distante que gostava de fazer sexo com alienígenas. E de como conseguiu encontrar uma num porto que foi a parceira mais prazerosa que teve na vida, que lhe fez alcançar os píncaros do super-orgasmo múltiplo masculino, o prazer supremo. Mas que também teve um efeito colateral imprevisto. Gerson salva a honra de seu sexo na antologia e faz descrições vívidas e tórridas das atividades sexuais do protagonista com Tee'lak, a 'deusa do prazer', com detalhes anatômicos... alienígenas. O conto é bem escrito — especialmente para a antologia — e tem uma atmosfera provocante de bom humor e fina ironia.

18— Dainara, de Adriana Simon

Outro dos melhores contos da Gostosa!, Dainara nos apresenta a uma mulher que descobre um parceiro alienígena não humanóide capaz de lhe proporcionar prazeres como nenhum homem poderia causar. E não estamos falando apenas de prazer físico, mas de uma verdadeira simbiose entre a mulher humana e o alienígena de sexualidade, digamos, ampla. Adriana, prosseguindo na tradição feminina da antologia, usa de um linguajar desinibido e explícito, embora elegante, para descrever o sexo de Dainara com Rod'nas, o pliac, que, embora pequeno em tamanho, tem tentáculos de múltiplas utilidades e que podem interagir com qualquer orifício erógeno do corpo feminino. Com texto fluente, estilo agradável e bom desenvolvimento de personagens, 'Dainara' ainda amplia a simbiose para parceiros humanos masculinos, num menage prazeroso e despido de qualquer preconceito — e igualmente sem pudores na descrição. Um conto criativo, bem escrito e ousado, feito especialmente para a antologia.

19— A Dominação, de Jorge Luiz Calife

Nosso autor de FC mais internacionalmente conhecido faz a heroína de seu tradicional universo ficcional, Luciana Villares, ser abduzida por um alien que faz diversas experiências de cunho sexual no "espécime" capturado. Texto bem escrito — especialmente para o livro — e fluente, como é típico de Calife, e com descrições sexuais estimulantes, embora mais uma vez em tom menor se comparadas às das autoras da antologia. A trama tem um cenário de espionagem interestelar que prende o leitor, mas tem um senão que surpreende em se tratando de Calife, pois, a meu ver, envolve um cochilo de hard: a reviravolta que fecha o conto só ocorre devido a uma extremamente improvável falha no exame do alien em Luciana, quando o próprio autor o descreve de modo que o vemos como completo, profundo — até, literalmente, íntimo.

20— Shelob, de Sacha Ramos

Um conto criativo, de trama complexa, que mostra como uma alienígena sedutora (a segunda da seção) é parte de um complexo sistema de um tipo de reprodução parasítica/simbiótica, usando outras espécies para esse fim, quase como uma invasão. Sacha é muito imaginativa e cria um verdadeiro mundo com regras próprias e habitantes humanos e não humanos verossímeis. As cenas de sexo são bem descritas e quentes, embora concentradas numa única seqüência explosiva. Shelob é a estréia profissional da autora.

21— A Predadora e o Renato, de Daniel Alvarez

Outro dos melhores da Gostosa, esse conto, escrito para a antologia, mostra a relação íntima e erótica entre uma humana e um alienígena de corpo semelhante a um centauro. A heroína é a mesma da Filha do Predador, e situada no mesmo universo ficcional da obra vencedora do Prêmio Nautilus de 1999, só que agora mais madura e, segundo o autor, mais safada. Durante uma longa viagem, humana e centauro ficam juntos e, na ausência de parceiros da mesma espécie, e com a prolongada abstinência, surge uma tensão sexual entre ambos. Mas poderia haver sexo prazeroso entre seres tão diferentes? Graças à imaginação de Alvarez, sem dúvida. Alvarez foi o único outro autor masculino a se ombrear a Gerson na nitidez dos detalhes anatômicos das relações eróticas e na descrição viva das manipulações úmidas e orgasmos arrebatadores entre parceiros sexuais. De atiçar impetuosamente a libido do leitor, que fecha assim o último conto do livro com sensação de saciedade literária, mas renovados apetites em outras áreas prazerosas.

Ensaio: Sexo com Alienígenas, Numa Boa, por Gerson Lodi-Ribeiro

Nesse ensaio muito bem feito como fechamento do livro, que já valeria uma publicação independente da antologia, Gerson traça um amplo histórico do sexo com alienígenas, desde a mitologia grega (pois os antigos deuses não eram alienígenas avant la lettre?) até o cinema e literatura, passando pelas pulp magazines dos anos 30, e falando não só de aliens propriamente ditos, como também do que classifica de "terrígenas", ou seja, uma criatura inteligente não-humana que teria evoluído em nosso planeta.
 
Como Era Gostosa A Minha Alienígena! já fez história na literatura fantástica lusófona como uma iniciativa inovadora e de peso literário importante, e creio que terá ainda influência, sem trocadilho, seminal nesse gênero literário nos dois lados do Atlântico.

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2002

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